Se tem uma coisa que a gente aprende convivendo com gatos e cachorros, quando os amamos, é a relaxar. Uma das gatinhas sabe passar horas sob a sombra na relva daqui de casa, a cachorra adora ficar deitada na grama debaixo do carro e a outra gata quase não faz nada durante o dia pra ficar alerta a noite toda.
Eles relaxam, fazem o que o corpo pede, respondem ao ambiente externo ora se protegendo, ora relaxando, ora vigiando possíveis ameaças.
Nós, humanos urbanos, permanecemos num estado de tensão constante, que não nos permite nem vigiar bem, nem perceber bem o que ocorre externamente, muito menos relaxar quando deveríamos.
Parece que se não corrermos seremos pegos ou mesmo dizimados. Mas a maior parte desses medos e ameaças é totalmente surreal, derivados de um passado que nos fez entrar no sistema corrente e que impregnou nosso modus operandi.
A vida na natureza é pacata, como o nome do tigre “preguiçoso” do He-Man. Na verdade, pacato quer dizer “que ou quem tem natureza ou índole não agitada ou não agressiva”, como primeiro significado.
Bom, tô escrevendo aqui para assumir que , infelizmente, não aprendi com os bichinhos, não como deveria. A Existência generosa me deu a oportunidade de conviver com eles para aprender, pois, como sempre, nos brinda com a chance de aprender pelo amor. Preferi a segunda opção: aprender pela dor. No meu caso, pela dor pela qual a maioria de nós tem mais apego: a dor no bolso.
Eu vim pra Serra da Cantareira em janeiro deste ano, depois de uma temporada de 2 anos em São Paulo, e continuei a fazer correria. Correria para “dar conta da lista de afazeres diários”, correria para cobrar dos meus filhos que dessem conta dos afazeres diários deles. Correria para fazer almoço (o que resulta em comida ruim que ninguém quer, com razão). Correria para levar para a escola… e foi aí que eu me estrepei.
Não dá pra fazer correria em ruas de terra com rachaduras profundas se não se tem um carro alto e 4×4, mas eu fiz, ariana arriscadora que sou, e a vida, por aí, me ensinou. Seguem as lições que me ensinaram com dor (por opção minha) a desacelerar.
1ª lição:
Atolamos eu e uma das minhas filhas num dia de chuva. Enchi-me de barro, enchi o carro de barro. Folhas e galhos sob a roda que jogava tudo pra trás e eu sentei cansada de tentar. De repente, avisto um carro descendo a rua com cuidado, ao passar por mim, o sujeito me disse: “moça, é perda de tempo tentar tirar o carro daí, por isso não vou nem te ajudar, por isso que eu não gosto de morar nesse lugar. Esse lugar é abandonado, ninguém cuida disso daqui. Chama o guincho, porque só ele pra tirar você desse lugar.” Eu, que estava sorrindo achando que ia receber ajuda, fiquei atônita e paralisada até ele sumir do meu olhar. Entrei no carro, olhei pra minha filha e falei: vou tirar esse carro daqui agora! (Ariana apressada e inconformada que sou). Coloquei uns tijolos baianos atrás da roda e saí. Ufa! Mas o pneu já era, levantou até linhas de nylon que eu nem sabia que existiam dentro dele. Dirigi até a borracharia rezando pro pneu não estourar, troquei pelo step e, dias depois, tive que adquirir dois pneus semi-novos. Primeira dor no bolso devido a correria.
2ª lição:
Atrasada para a escola, pego a estrada após uns dias fortes de chuva e sinto aquela porrada de uma pedra sob o carro. Rodas intactas, nenhuma luz no painel. Sigo pra escola com aquele ronco alto da frente do carro. Na mecânica descubro: amassou o carter e quebrou o radiador. Segunda dor no bolso, mais dolorida, devido a correria.
3ª lição:
Um barulhinho incômodo que o carro já fazia, piorou. Vou pra mecânica e descubro: o cárter amassou mais e não dá pra desamassar, tem que substituir. Terceira dor no bolso, mais amena, devido a correria, hora de aprender, né?
“Quando você repete um erro, não é um erro novamente: é uma decisão.” Paulo Coelho
Fora as dores no bolso consecutivas, sofri e fiz sofrer dores no corpo e na alma, devido a correria pelo alto grau de exigência que eu estava impondo a mim e a meus filhos. Pela terceira segunda-feira consecutiva eu sentia tonturas, enjoo, sensação de que ia desmaiar. Era meu corpo no limite do estresse com seus altos níveis de cortisol que me pedia para desacelerar.
O encontro com aquele moço do dia do atolamento foi Providencial, como tudo na vida, e me fez pensar o quanto eu amo esse lugar, o quanto quero morar aqui e cuidar daqui. Mas demorei a chegar à conclusão de que se quero viver bem aqui, tenho que respeitar as estradas de terra, com o tempo que levam para serem atravessadas sem dor, que é o tempo que nos permite que observemos as borboletas que nos cruzam na estrada, de todas as cores, tamanhos, danças e sons (sim!, porque aqui temos estaladeiras), que é o tempo que nos permitiu parar para ver o rio que nos alinha em parte do caminho e que deixa a estrada sempre molhada, que é o tempo que nos permite descobrirmos pássaros, esquilos, macacos ou outros habitantes da serra.
Lembrei de uma lição de Chico Xavier de que havia esquecido, (porque achava que não era pra mim, que não me considerava urbana por achar que saí de São Paulo… mas não deixava São Paulo sair de mim). Ele dizia que os engarrafamentos das grandes cidades surgiram para que as pessoas aprendessem a parar, já que correndo demais nos perdemos de nós mesmos e do nosso propósito dessa existência.
Mas só mudei de atitude mesmo depois da
4ª lição:
No dia em que minha mais nova, a mais espuleta e impávida dos três, ficou com febre e dor de cabeça de madrugada e me deu um medo tremendo de que fosse algo grave, que eu finalmente decidi reduzir a marcha. Fiquei cuidando dela de madrugada e enxerguei a obviedade de que apenas estarmos vivos e com saúde já era o mais maravilhoso presente de Deus na nossa vida. Olhei mentalmente para cada um dos meus filhos verifiquei o quanto são seres maravilhosos, o quanto são as pessoas mais especiais que conheço, o quanto é um presente excepcional ter a oportunidade de conviver com cada um, o quanto a vibração deles me oferta um patamar bem acima do mundo em que vivemos e o quanto era tudo pra mim poder viver nessa vibração. Em suma, refleti sobre o que era mais importante na nossa vida e que eu estava deixando passar.
Estava correndo tanto que tanto eu quanto ela estávamos ficando doente. Estava correndo tanto, que estava perdendo o tempo de abraçar demoradamente (aqueles mais de 20 segundos que fazem curar), estava correndo tanto que não estava mais perdendo tempo com os risos que estavam muito escassos no meu rosto ultimamente.
Decidi estar mais presente, acompanhando cada afazer com o tempo que lhe competia e com foco, decidi diminuir meu grau de exigência comigo mesma e minha lista de coisas a cumprir e decidi acompanhá-los nas tarefas deles até que se torne um hábito natural para cada um.*
Decidi, por fim, sairmos bem antes para irmos à escola sem tensão, sem dores no bolso e aproveitando a oportunidade de contemplarmos juntos a Cantareira cheia de vida e encantos que é o nosso novo lar.
*Na minha concepção, que se alinham às pedagogias Waldorf e Montessori, as crianças devem participar dos afazeres domésticos na medida da capacidade deles, e assistidos com paciência para aprenderem com satisfação, mas também devem ter o tempo sagrado do brincar livre respeitado. Mas como o excesso de exigências estavam interrompendo a presença, as coisas não estavam alinhadas ao que tenho fé.
“É nos momentos de decisão que o seu destino é traçado.” Anthony Robbins